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sexta-feira, julho 20

PLANO ESTADUAL DE CULTURA DO RS - APONTAMENTOS




APONTAMENTOS SOBRE O PLANO ESTADUAL DE CULTURA (PEC)

Leandro Ernesto Maia
Músico



I
Ainda neste ano de 2012 deve ser enviado para a Assembléia Legislativa o projeto do Plano Estadual de Cultura, que visa apontar diretrizes e ações na área para os próximos dez anos. O projeto encontra-se em fase de elaboração, revisão e sistematização pela Secretaria Estadual de Cultura (SEDAC).

II
O projeto vem na esteira de todo o movimento constituído entre Ministério da Cultura e sociedade civil durante os oito anos de governo Lula, que instituiu o Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC), Câmaras Setoriais e Colegiados Setoriais e outras instâncias de deliberação.

III
Tornar a Cultura política de Estado talvez seja o grande avanço para a área nos últimos anos. Cultura como política de Estado, além de reconhecê-la como direito fundamental a todos os cidadãos, também a estabelece como área estratégica em termos educacionais e econômicos. É cada vez mais crescente a concepção de Economia da Cultura, associada ao conceito de Economia Criativa. Hoje, falar em Cultura, não deveria mais soar como extravagância ou algo supérfluo, e sim como área estratégica ao desenvolvimento nacional e regional, possibilitando a criação de emprego e geração de renda através de ações renováveis e sustentáveis, ou seja, nosso capital simbólico e criativo. Assim como se estimula a economia através do consumo de automóveis e eletrodomésticos, pode-se estimular a própria economia através do consumo de bens culturais, digamos.


IV
O assunto, portanto, é da maior relevância. Relevância humana e econômica. E tem sido tratado assim através da elaboração do Plano Estadual de Cultura, da criação da Secretaria de Economia Criativa na SEDAC, da regulamentação e implementação efetiva do Fundo de Apoio a Cultura (FAC), além da antiga LIC, ligados ao PROCULTURA estadual, dentre outras diversas ações. Neste sentido, em termos regionais avançamos sem dúvida.

Vale ressaltar, já de início, alguns grandes acertos da SEDAC/RS na condução da política estadual ligada à cultura. Estes acertos referem-se às bases conceituais: identificação e fomento das cadeias produtivas, bem como o estabelecimento das três dimensões da cultura: a estética, a cidadã e a econômica. Desde o ano passado, o Governo do Estado realizou seminários e conferências em todo o estado constituindo, a partir das discussões, os Colegiados Setoriais, ou seja, grupos de trabalho compostos por governo, instituições e sociedade civil divididos por áreas como Música, Dança, Teatro, Culturas Populares, Audiovisual, entre outros, com o objetivo de estabelecer as bases do Plano Estadual de Cultura e linhas de ação.

VI
O Plano Estadual de Cultura, como está consolidado até o momento em seu texto base, apresenta cerca de 40 páginas com mais de 250 ações divididas em tópicos como Estado, Diversidade, Acesso, Desenvolvimento Sustentável, Participação Social e Territorialidade. A estrutura do documento é coerente com o processo e discussões realizadas até o presente momento: bastante trânsito entre diversas localidades, realização de palestras e seminários, e menor audiência efetiva às demandas da sociedade civil ligada à área da cultura, além de pouquíssimas reuniões efetivas dos Colegiados Setoriais – criados pela SEDAC em novembro de 2011, justamente para aprofundar as discussões e encaminhar o Plano. Se os Colegiados visam objetivar e sistematizar o diálogo entre Governo e Sociedade Civil, com ênfase no Plano Estadual de Cultura, o diálogo ainda não está ocorrendo a contento.


VII 
O Colegiado Setorial de Música, por exemplo, teve apenas uma reunião, no dia 28 de maio de 2012, convocada no dia 14 do mesmo mês, para analisar as mesmas 40 páginas. Assim como outros Colegiados, os representantes vivem em diversas localidades do interior, não recebem nenhuma ajuda de custo, e precisam planejar suas saídas e agendas. Neste sentido, as representações seriam mais efetivas se houvesse planejamento antecipado de reuniões e boa vontade dos representantes do governo em viabilizar a vinda de representantes à capital: até março, por exemplo, divulgar-se-ia o calendário de reuniões previstas no semestre, entre outras ações. Os encontros “Diálogos Culturais” realizados em diversas cidades do interior não se constituíram como encontros dos Colegiados, pois se caracterizaram como momento informativo aberto ao público, priorizando o formato seminário, mesa redonda, conferência ou palestra de representantes do governo ou convidados. Vale salientar a manifestações de diversos representantes culturais durante a Conferência Estadual de Cultura no sentido de chamar a atenção para o pouco “diálogo” afetivo, onde a programação privilegiava as falas do governo e convidados, havendo pouco tempo efetivo para a apresentação de demandas e propostas da sociedade civil.

VIII
Vale salientar que as entidades, representantes e participantes independentes da sociedade civil ligados à área da cultura já tem uma série de discussões acumuladas, vivências e experiências a serem compartilhadas. Vêm trabalhando, debatendo e articulando políticas culturais há bastante tempo, pelo menos, desde as Conferências Nacionais de Cultura, a Constituição dos Colegiados e Câmaras Setoriais e a redação do próprio Plano Nacional de Cultura. Ouvir as entidades, ativistas culturais e artistas é útil para o próprio governo, que pode focar sua atuação como articulador e pactuador, promovendo e intensificando a construção de políticas públicas conectadas com a realidade. Aliás, este é um dos preceitos da cultura contemporânea: o da inteligência coletiva.

IX

Vale salientar que o pouco diálogo aprofundado se reflete diretamente no Texto-Base do Plano Estadual de Cultura até aqui: ênfase conceitual e poucas diretrizes e linhas de ação concretas. Comparando-se ao Plano Nacional de Cultura, há pouca variação e nenhuma especificidade em um conjunto de 250 ações genéricas, que não se constituem como metas claras e objetivas, ou seja, não se apresentam como indicativos norteadores de políticas públicas. Temos um Plano Estadual de Cultura até aqui se constituindo como um belo manifesto, apenas. Para se ter uma ideia, nenhuma instituição governamental ligada à cultura sequer é citada. Segundo o texto-base, não existe Fundação Cultural Piratini, nem TVE, nem OSPA, nem Discotheca Pública Natho Henn, nem Biblioteca Pública do Estado, nem sistema de Museus, nem Casa de Cultura Mário Quintana, dentre tantos outros equipamentos culturais do próprio governo. Em governos recentes, tanto a OSPA como a TVE quase foram desativadas, sendo primordial à sociedade zelar pela permanência e qualificação destas instituições. O texto-base cita, por cinco vezes, os Colegiados Setoriais, mas não regulamenta ou estabelece nenhuma atribuição. Cita a implementação de um Sistema Estadual de Cultura, sendo que o Plano poderia, inclusive, avançar e instituir o próprio Sistema Estadual de Cultura.

X
A pouca objetividade e funcionalidade não é um privilégio do Plano Estadual de Cultura. O Plano Nacional de Cultura, instituído pela LEI Nº 12.343, DE 2 DE DEZEMBRO DE 2010 apresenta os mesmos problemas de generalidade e pouca objetividade, e não foi por falta de debate, já que durante os anos de 2005 e 2006 representantes da sociedade civil e Governo Federal identificaram desafios, apontaram diretrizes e pactuaram diversas linhas de ação a serem incorporadas ao Plano Nacional de Cultura. A redação final do PNC, infelizmente, optou por eliminar toda a objetividade possível apresentada pela sociedade civil, trazendo um texto genérico. Ao que tudo indica, o Plano Estadual de Cultura segue pelo mesmo caminho, com a diferença de que pula uma etapa – a discussão com a sociedade civil através dos Colegiados Setoriais. Eis uma prática bastante curiosa e sintomática: o próprio governo toma a iniciativa de estabelecer canais de discussão direta e permanente com a sociedade civil, através de diversos mecanismos, mas na hora do “vamos ver” o próprio governo se esquece dos mecanismos criados e toca os projetos à sua maneira. A quem interessa um Plano Nacional/Estadual de Cultura excessivamente genérico com poucas diretrizes? Certamente não interessa à sociedade civil.

XI
Ainda no âmbito do Plano Nacional de Cultura, uma simples comparação entre os relatórios das Câmaras Setoriais e o texto final da lei comprova o que estamos apontando, quase em tom de denúncia: os planos setoriais se estruturaram através de Desafios, Diretrizes e Linhas de Ação, partindo do Geral para o particular, onde é possível perceber, nas linhas de ação, propostas concretas e objetivas que foram amplamente discutidas e pactuadas, ou seja, acordadas entre Governo, Entidades e Sociedade Civil. Na área da música, por exemplo, foi possível unir, quem diria, OMB, ECAD, FUNARTE, ABEM em prol da diretriz “8) Garantir o cumprimento da obrigatoriedade do ensino da música em  toda a escola brasileira priorizando os profissionais da área de música”. Como fruto desta e de outras mobilizações da sociedade civil, foi aprovada a Lei 11.769/08 que estabelece a música como componente curricular obrigatório na educação básica. O que parecia impossível, se tornou realidade – pelo menos em termos legais – em menos de três anos. Aliás, antes mesmo da aprovação do Plano Nacional de Cultura, genérico e pouco objetivo.


XII
Mas o Plano Nacional de Cultura não representou um avanço? De fato. Um avanço e uma conquista histórica. Para quem acompanhou de perto toda a mobilização e sensibilização da classe artístico-cultural, foi possível perceber um sentimento de “verdadeira constituinte da cultura”. O plano, ao final das contas, dissipou as maiores aspirações dos ativistas da cultura. O maior pecado de todo este processo desencadeado entre 2004 até os dias atuais talvez tenha sido a própria desmobilização das entidades e ativistas culturais, organizados através do CNPC – Conselho Nacional de Políticas Culturais. Coube ao CNPC lembrar sempre ao governo os documentos a ações pactuadas, promover moções, destaques e indicar orientações de realização de políticas públicas. O que ocorreu? O CNPC foi esvaziado pelo próprio Governo Federal, que tenta agora renová-lo e encontra – vejam só – grande dificuldade em cadastrar novos candidatos aos Colegiados e Conselho. No âmbito do RS, na primeira chamada de inscrições para representantes ao Conselho Nacional, não atingimos o quórum mínimo na área da música para termos representantes. Será que isto se deve somente à falta de consciência e preparo da comunidade cultural gaúcha? Ou se deve à falta de compromisso dos governos em honrar Colegiados, Conselhos e pactuações estabelecidas com a sociedade civil?

XIII
Voltemos ao nosso Texto-Base do Plano Estadual de Cultura do RS. De maneira geral, chamamos a atenção para os 250 desafios apontados, mas poucas diretrizes e nenhuma linha de ação concreta, conforme ilustramos na comparação entre o Plano Setorial de Música (Nacional) e o Plano Nacional de Cultura. Houve, no início do processo Federal um acerto incrível: os Planos Setoriais (com suas diretrizes, desafios e linhas de ação concretas) encontravam-se prontos e pactuados antes mesmo do Plano Nacional de Cultura. Erro grave: não há uma menção sequer aos Planos Setoriais no Plano Nacional de Cultura, que optou pela generalidade infértil. É como se todas as discussões, pactuações e anos de trabalho e investimento do próprio governo não tivessem existido. Os Planos Setoriais não são lei. A lei é genérica. Para que(m) serve uma lei genérica? Se o Plano Estadual é apenas uma adaptação do Plano Nacional, qual o sentido de fomentar quase dois anos de diálogos com o setor em diversos municípios e estabelecer Colegiados Setoriais no Estado? Faltou criatividade aos gaúchos para superarem o Plano Nacional de Cultura?

XIV
Passemos, então, a alguns apontamentos e sugestões a título de ilustração. No atual Texto-Base do Plano Estadual de Cultura consta, ao meu ver uma Diretriz: “1.30 – atuar em conjunto com os órgãos de educação no desenvolvimento de atividades que insiram as artes no ensino regular como instrumento e tema de aprendizado, com a finalidade de estimular o olhar crítico e a expressão artístico-cultural do estudante.” Esta diretriz integra um Desafio/Objetivo “VII – Estimular a presença da arte e da cultura no ambiente educacional”. Se seguíssemos uma metodologia semelhante aos Planos Setoriais ignorados posteriormente pelo Governo Federal/MinC, poderíamos pensar nos seguintes exemplos de Linha de Ação: a) Criar editais de aquisição de obras artísticas, livros, CDs, DVDs, catálogos, entre outros, para bibliotecas e espaços culturais de escolas públicas. b) Fortalecer e expandir programas como “Autor Presente” e “Adote um Escritor” ampliando-os para outras áreas artísticas; c) Criar selos indicativos, premiações e catálogos de obras audiovisuais e sites recomendadas para escolas; d) Desenvolver e apoiar portais interativos na internet com conteúdo cultural rio-grandense em suas diversas expressões, etc.
Outra necessidade é estabelecermos diretrizes culturais para os equipamentos do Estado, bem como instituições como: Desafio/Objetivo, conforme o Plano atual: XIII – Descentralizar a implementação de políticas públicas de cultura; Diretriz, conforme o Plano atual: 1.11 – Promover uma maior articulação das políticas públicas de cultura com as de outras áreas da administração pública, compreendendo o papel integrador e transformador da arte e da cultura na sociedade. O Plano Estadual de Cultura pára por aqui. Propomos avançar através da inclusão de um “Caderno de Ações”, Linha de Ação: a) Descentralizar e interiorizar os equipamentos culturais no estado através da criação do Instituto Banrisul Cultural e da construção de Centros Culturais com programação contínua e articulada em diversas localidades do RS;
Outros exemplos, Desafio/Objetivo, do Plano Atual: IV – Valorizar e difundir as criações artísticas e os bens culturais; XII – Profissionalizar e especializar os agentes e gestores culturais; Diretriz, no Plano atual: 4.65 – Avançar na qualificação do trabalhador da cultura, assegurando condições de trabalho, emprego descente e renda, promovendo a profissionalização do setor, dando atenção às áreas de vulnerabilidade social, e de precarização urbana e a segmentos populacionais marginalizados. Linha de Ação (proposta para o Caderno de Ações):  a) Criar editais de ocupação de equipamentos públicos do estado (Teatros, Museus, Centros Culturais) com remuneração e pagamento de cachês aos artistas, técnicos, produtores e profissionais envolvido.


XV

Finalmente, mas com o intuito de prosseguir em discussão, propõe-se a revisão criteriosa do Texto-Base do Plano Estadual de Cultura, inserindo a regulamentação dos Colegiados Setoriais no corpo do texto, buscando a valorização e ampliação dos equipamentos culturais do estado, além do desdobramento dos tópicos do texto atual em Linhas de Ação a serem incorporadas à lei sob a forma de um “Caderno de Ações”. Este caderno de ações deverá ser anexado ao Plano, de forma a contemplar a proposição de ações práticas e metas objetivas ao Plano Estadual de Cultura. A comunidade cultural pode contribuir enormemente com sugestões e encaminhamentos sólidos e objetivos durante todo o processo e o Governo do Estado terá a oportunidade de reunir agentes da cadeia produtiva da cultura para pactuarem ações práticas. Além de avançar, vamos tirar o atraso e o pé do barro da cultura.