DOUTORADO

sexta-feira, setembro 29

E se eu estiver errado?

E se eu estiver errado?

Faz tempo que não ando muito por aqui nas redes sociais. Me deu vontade de escrever algo que venho ruminando há algum tempo. Trata-se de um arquivo pessoal, pensando em voz alta sem nenhum objetivo maior do que não me sentir sozinho num país estrangeiro numa sexta à noite :) Ainda que com muito trabalho a fazer e muito amor em todo o canto.

Quando eu era adolescente e tomei o meu primeiro grande porre, ocorreu algo. Hoje considero absolutamente cedo e não gostaria que meu filho enchesse a cara na idade em que enchi, mas tive a sorte de estar num ambiente seguro, amparado por verdadeiros amigos. E o porre acabou surtindo uma espécie de efeito de 'batismo' - um outro Leandro público surgiu ali, que dava vasão à sua revolta revolucionária e citava em tom de discurso os trechos de suas leituras da época, em livros comprados no sebo da Martins Livreiro.

Eis que a frase desta bebedeira ecoa até hoje quando encontro os amigos daquela época: 'Porcos imperialistas!'. Olham pra mim e riem. Esse era o meu brado contra a invasão norte-americana no Brasil, o patrocínio à ditadura, a invasão cultural. Naquela época, por exemplo, eu não ouvia música em inglês. Antes disso já havia absorvido muito de Beatles, Led Zeppelin e Pink Floyd e seguia absorvendo, mas não queria saber da música das rádios da época, não gostava sequer de música pop em português, por exemplo. Fui um adolescente bastante ranzinza, pra dizer a verdade. Saldei este débito afetivo homenageando o Nirvana em meu primeiro disco (DDA).

Naquele período - aliás bastante anterior à minha maioridade - eu me definia claramente como um revolucionário no sentido estrito do termo: existe uma injustiça e precisamos combate-la com todos os meios. Eu havia lido sobre guerrilhas, captação de recursos através da expropriação (assaltos a banco), sequestro de embaixadores em troca de presos políticos e tudo mais. Todos os meios eram válidos para acabar com a opressao e a existência de exploradores e explorados. Eu costumava dizer que morreria com '50 anos, com um tiro nas costas, numa revolução'. O diário de Che na Bolívia era um livro importante pra mim. Com 12 anos havia lido Guerra de Guerrilhas e seu apêndice 'Reflexões sobre o sistema educacional cubano'. Na infância, lá pelos 9, descobri que a figura que eu via na bandeira de uma torcida organizada no estádio beira-Rio - a Juventude Internacionalista - era um grande Che Guevara, que identifiquei num livro de História, ou no Almanaque Abril, não sei. Fiquei doido com a história da revolução cubana. Eis que a partir dali tratava-se de, basicamente, definir meu perfil revolucionário: comunista, anarquista, leninista, trotskista, malatestiano, etc. Na verdade uma engronha danada.

Mas eis, que em algum momento, já um pouco mais velho, depois de mandar brasa nas passeadas, assembléias, plenárias, comícios, protestos, surge uma pergunta na minha cabeca: 'e se eu estiver errado?' E se eu estivesse errado?

Não se tratava de negar a injustiça, a exploração, a pobreza, a dominação, o imperialismo. Não se tratava de negar as suas causas e as evidências. A minha pergunta - e se eu estiver errado? - se tratava, basicamente, de uma referência ao método revolucionário, digamos.

Aqui a história se impõe: revoluções, via de regra, são capitaneadas por vanguardas. Mesmo que executadas pelas massas. É intrínseco ao ser vanguarda achar-se detentor de uma verdade e um saber que não é compartilhado pela massa, pela população, pelo povo, pelas pessoas, pelos outros, enfim. Existe aparentemente algo messiânico no 'ser revolucionário'. Eu vos darei a verdade e a vida. E uma arrogância tremenda. Um sentimento inexorável de superioridade. Naquela época, embora jovenzito, talvez sequer tivesse a autoconfiança e autoestima suficiente para ter alguma revelação que os outros não tivessem (dei-me conta depois, obviamente). Aliás, boa parte do espanhol que sei foi aprendido de forma autodidata, lendo textos, ouvindo canções e improvisando discursos em minha cabeça de exército de um homem só. E o triunfo, o heroismo, o pulsar da vida se materializavam nas minhas mãos que falavam sozinhas no meio da rua em meio ao mundo paralelo em que me encontrava. Aquilo me nutria para seguir, para ler, para estudar meu violão por horas seguidas.

Num primeio momento, a 'descoberta da verdade' é absolutamente reconfortante. Existe um caminho, temos um plano, vamos executá-lo. Sabemos da dureza da tarefa, vamos convencer as pessoas e mudar o mundo. Acho que a sensação de um convertido à uma igreja pentecostal no Brasil deve ser muito parecida. Por isso, não os condeno, os compreendo e gostaria de tocar nesta energia tão poderosa que nos faz levantar nas manhãs frias e descalças, que nos faz levantar a cabeça em direção ao futuro. Será que conseguiríamos manter esta energia sem ter a necessidade de uma única certeza?

E se eu estiver errado? Posso eu saber dos outros mais do que os outros sabem de si mesmos?

Aviso:
'Nem toda revolução política é uma revolução cultural, mas toda revoluçao cultural é uma revolução política.'
Uma das primeiras fichas que me caiu. Está lá no Palavreio. Ali percebi um caminho. E descobri que fazer música é, mais do que tocar, ser tocado.

E se eu estiver errado? Esta pergunta, confesso, segue me norteando/desnorteando. Ela não me induz nem me obriga a mudar de pensamento. Mas necessariamente me obriga a considerar o outro. O outro real, que não é aquele que habita nossas neuroses, paranóias, traumas, preconceitos. 'Se eu estiver errado?' em sua natureza de pergunta conduz ao diálogo.

E aí, talvez venha a máxima de que várias cabeças pensam melhor do que uma. E não é porque a solução venha a ser a 'mais correta', ou porque alguma estatística garante a melhor probabilidade. Mas é porque é a melhor solução é a mais 'engajada', a mais comprometida, aquela pactuada. Sim. Todos nós já vivemos momentos epifânicos de criação coletiva onde a alegria da solução coletiva se sobrepõe à racionalidade da solução dita 'correta'. É esse coletivo maior que precisamos levar em conta.

E se eu estiver errado?

Desde então, não deixo de dizer nada. Nunca deixei de discordar, de combater, de enfrentar. Sou um baita teimoso. Mas nunca vou deixar de me perguntar: e se eu estiver errado? O problema é que, muitas vezes, a pergunta se dá atrasada. Deveria ter sido feita antes. Errei no tempo, ouvi pouco, ou não fiz minha pergunta ser ouvida pelos outros.

E se nós estivermos errados? Aqui é diferente. Se o 'nós estivermos errados?' vier depois de 'e se eu estiver errado?' já não importa. Se o nosso erro é coletivo, é consensual, o importante é estarmos em paz. A melhor solução não é a solução 'correta' imposta, mas a solução pactuada por todos livremente. O desafio, na verdade, é chegar aí.





terça-feira, julho 4

TVE E FM CULTURA

Quatro da manhã na Inglaterra. Não consigo dormir.

Mas que tenhamos claro, meus amigos. Eles perderam. Eles não conseguiram e não vão conseguir acabar com a TVE e a FM Cultura. Juridicamente não será possível, politicamente não será possível porque tem uma comunidade fiel, combativa e plural de ouvintes e parceiros que não vai deixar assim. Não vão conseguir porque os funcionários estão mobilizados, bem organizados e o público está engajado para além de qualquer bandeira partidária.

O que resta ao governo? A mesquinhez de atingir o nosso afeto de público aguerrido. Como? Trocando os apresentadores que representam a alma de programas locais, que simbolizam a voz da cidadania gaúcha por seu próprio mérito e resistência. Neste sentido, uma ação e dois efeitos: tentar baixar a moral da tropa e fazer-nos sentir poucos e pequenos.

Será que eles acham que, num passe de mágica, novos ouvintes/telespectodores surgirão na mesma medida em que desacatam um público fiel e comprometido com a emissora? Óbvio que não. O recado é pra mim, pra você. Eles querem nos fazer sentir que somos minoria.

Não somos minoria. E a resposta virá nas urnas.

O meu abraço e solidariedade aos admiráveis Newton Silva, Luiz Henrique Fontoura, Marta Schmitt (que me saltam à memória, comprometida pela minha ausência do BR e pelo natural bloqueio em se falar de algo tão dolorido).

Aos novos dirigentes:

* Que eles tenham a missão de afastar o fantasma da extinção das emissoras públicas, preservando seu caráter educativo.

* Que valorizem o diálogo com a equipe de concursados efetivos da rádio, assim como o público que já existe. Perder o público que existe é um grande erro estratégico.

* Que eles saibam que são passageiros e que os olhos e ouvidos estão acompanhando seu trabalho.

* Que compreendam a nossa desconfiança de descrédito. Embora saibamos que existem dirigentes que seriam bons em qualquer governo, eles assumiram as emissoras num momento extremamente delicado, provocado pela terrível gestão imediatamente anterior.

* Que o erros do início da gestão, que ultrapassaram limites da decência e da humanidade (uso da força policial, tentativa de intimidação, perseguição, demissões ilegais) tenham servido de lição para que a troca de gestão na Fundação e nas Emissoras simbolize um verdadeiro e sincero remanejo da política de cultura e comunicação.

domingo, junho 4

WORKSHOP and CONCERT: BRAZILIAN SONGWRITING AND CREATIVE SINGING

WORKSHOP and CONCERT: BRAZILIAN SONGWRITING AND CREATIVE SINGING:



This workshop introduces
compositional gestures which feature the Brazilian contemporary popular song
regarding music and lyrics. The original poetic intentions are highlighted and interpreted
for non-Portuguese speaker audiences, illustrating songwriting choices and
models. Creative approaches are experienced through collaborative improvisation,
representing social and historical aspects of Brazilian musical cultures from
different regions. Samba, bossa nova, afoxé, baião, maracatu besides pop-rock
influences, fusions and appropriations of South-American styles such as milonga,
chamamé and candombe are presented. Reflections and tips about Brazilian singing
will be offered for non-Native Portuguese speakers starting from easy examples
to more sophisticated songs in a musical clinic. Both participants and
observers can take part of the activity, which is not only directed for
musicians, but also for writers, actors, performers and educators.


segunda-feira, maio 1

Brasileiro fala banto

Ciencia, Politica e Religião: Brasileiro fala banto: Por Marcos Bagno (*) Dia desses, uma gaúcha veio me contar, entusiasmada, que tinha aberto uma escola de línguas em Porto Alegre, que nã...



Brasileiro fala banto

Por Marcos Bagno (*)
Dia desses, uma gaúcha veio me contar, entusiasmada, que tinha aberto uma escola de línguas em Porto Alegre, que não queria se limitar ao ensino das línguas europeias (inglês, francês, espanhol, italiano, alemão) mas pensava em oferecer também o iorubá, para ser uma escola “politicamente correta”, que contemple as línguas que “influenciaram” o português brasileiro.
Pensei com meus botões: “Mais uma iludida”.
O desconhecimento, por parte da maioria dos brasileiros, inclusive linguistas profissionais, da história linguística do nosso país é impressionante. Quando, com base nos excelentes estudos de Yeda Pessoa de Castro, digo às pessoas que, das línguas africanas trazidas para cá com o tráfico de escravos, a que menos impacto exerceu sobre o português brasileiro foi o iorubá, as reações costumam ir da surpresa à indignação.
O iorubá é uma língua oeste-africana. Seus falantes só começaram a ser trazidos para o Brasil no final do século XVIII, com a destruição do reino de Queto, e também depois de 1830, quando foi arrasado o império de Oió.
Ficaram concentrados nas zonas litorâneas, com especial destaque para a região do Recôncavo baiano. Com os falantes de iorubá e de outras línguas oeste-africanas vieram os cultos religiosos que se tornaram conhecidos como candomblé.
Por causa do prestígio cultural que essas manifestações religiosas alcançaram é que se fixou, entre nós, o mito de que o iorubá é a principal (quando não a única!) língua africana que exerceu “influência” sobre o português brasileiro.
Desse mito decorrem inúmeras distorções como, por exemplo, a do filme “Quilombo”, de Cacá Diegues (1984), em que Zumbi dos Palmares e demais quilombolas falam iorubá, em pleno século XVII, quando ainda não tinham chegado ao Brasil os falantes dessa língua. O mesmo se pode dizer dos inúmeros cursos de iorubá oferecidos Brasil afora e que muitas pessoas vão frequentar na crença de que, assim, se aproximariam mais das raízes africanas da nossa população e da nossa cultura.
Ora, as línguas que de fato mais confluíram para a formação do português brasileiro são de uma outra família, a família chamada banto. São de línguas bantas (quicongo, quimbundo, umbundo) a maioria dos escravos trazidos a partir do século XVII e que serão distribuídos por todo o território brasileiro.
A antiguidade da presença dos bantos é que explica a grande quantidade de vocábulos plenamente integrados ao falar brasileiro do dia-a-dia e referentes aos mais diversos campos da vida humana. As palavras do iorubá que empregamos, por outro lado, se referem quase exclusivamente ao universo religioso e têm uma difusão muito mais restrita geograficamente.
Com isso, se quisermos de fato nos aproximar das nossas raízes africanas mais profundas, é nas línguas do grupo banto que devemos procurá-las. É delas que vêm, entre tantas outras, as já brasileiríssimas caçula, carimbo, cachaça, dengo, samba, sacana, biboca, maconha, bagunça, jiló, cachimbo, cafungar, fungar, cabular, catinga, catimba, ginga, lambada, cangaço, mocambo, moleque, miçanga, moqueca, muamba, olelê-olalá, tutu, titica, xingar, quiabo, quitanda, quitute, muxoxo, cochilo, banguela, cabaço, beleléu, zanzar, ziquizira, songamonga, moringa, camundongo, babaca, senzala, mucama, macaco, babau, caxumba, capanga, canga, tanga, lengalenga, mandinga, coroca, cotó, fubá, moleque, cafuné, jagunço, meganha... sem falar, é claro, da grande unanimidade nacional: a bunda!
Além disso, os pesquisadores vêm mostrando cada vez mais que o impacto do banto sobre o português brasileiro não se restringe ao léxico, isto é, às palavras. Muitas das características gramaticais próprias do português brasileiro (algumas, aliás, exclusivas da nossa língua no conjunto das línguas românicas e mesmo indo-europeias) podem ter origem na transferência, para a língua que foram obrigados a aprender, de traços gramaticais dos idiomas bantos falados pelos escravos.
Uma delas é a possibilidade de locuções adverbiais ocuparem a posição de sujeito. Por mais natural que nós, brasileiros, consideremos uma frase como “Esse elevador só cabe 8 pessoas” ou “A janela do meu quarto não bate sol”, essas construções são desconhecidas não só do português europeu, mas de todas as línguas românicas e também das demais línguas indo-europeias.
Ora, nas línguas do grupo banto construções desse tipo são perfeitamente comuns. Quando (se) a sociedade brasileira algum dia deixar de ser uma das mais racistas do mundo, quem sabe o verdadeiro impacto da cultura africana venha a ser definitivamente reconhecido, valorizado e apreciado.

*Escritor, Doutor em filologia e língua portuguesa pela USP, sociolinguista 

http://jornaldoromario.com.br/artigos/528-brasileiro-fala-banto


* Originalmente publicado em Caros Amigos 151 Outubro de 2009. O texto foi ampliada e republicado no site http://jornaldoromario.com.br/artigos/528-brasileiro-fala-banto não mais disponível. Obrigado ao marivalton.blogspot.com por disponibilizá-lo !!!











quinta-feira, janeiro 19

Conference Presentation: From Sambista to Song: what an unpublished 86-year old sambista reveals about songwriting. (06/01/2017)

Conference Presentation: From Sambista to Song: what an unpublished 86-year old sambista reveals about songwriting. (06/01/2017): Leandro Maia, Bath Spa University From Sambista to Song: what an unpublished 86-year old sambista reveals about songwriting.



In: www.leandromaia.com.br



BFE/RMA Presentation


2017
started with good vibes and hard working. Between January 5th and 7th I
had the honour of presenting a paper related to my thesis at the School
of Music and Performing Arts, Canterbury Christ Church University, UK
during the BFE/RMA Research Students’ Conference: Exploring Musical
Practice.


2017
começou com tudo. Logo no início do ano tive a honra de participar da
Conferência do Fórum Britânico de Etnomusicologia e da Real Academia de
Música
organizado pela Canterbury Christ Church University. Título
do trabalho: Da Sambista à canção: o que uma inédita sambista de 86 anos
revela sobre composição de canções. Estou falando sobre a maravilhosa
Dona Conceição, da cidade de Pelotas/RS, que já compôs mais de mil
sambas.


Leandro Maia, Bath Spa University 
From Sambista to Song: what an unpublished 86-year old sambista reveals about songwriting. 
This
work presents songs by the Brazilian songwriter Conceição Teixeira
(1930-) in the context of the research ‘Poetics of song:
songwriting habitus in the creative process of Brazilian songwriting’.
Having composed more than one thousand sambas without receiving formal
music education, Teixeira offers an extraordinary opportunity to
approach the creative process regarding aspects such as informal
learning, intuition and tacit knowledge. Considering the inherent
interdisciplinarity of the popular song genre, the research on
Teixeira’s songs combines ethnography and song analysis to understanding
how a songwriting habitus is manifested through the identification of
music dispositions found in her work. 
The
presentation is characterised by a 20-minute recital-lecture in solo
performance (voice, percussion and guitar) including a demonstration of
the transcreational procedures used in the translation of songs. The
reasons behind this innovative format are related to the opportunity of
joining music performance, music analysis and field research reports
into the same presentation, avoiding separation between theory and
practice. The possibility of having the feedback and real-time
participation of the audience in a dialogical perspective offers
additional motivation for this proposal.


presentation canterbury 

Biography: Singer, songwriter and senior lecturer at Universidade Federalde Pelotas (UFPEL/Brazil). Leandro Maia has released the albums
Palavreio (2008), Mandinho (2012) and Suite Maria Bonita e Outras
Veredas (2014) and has written music for theatre, dance and movies.
Awarded as the best singer in 'Premio Brasil-Sul de Música' (2013) and
'Premio Açorianos de Música' (2015), Leandro was granted with the first
'Prêmio Ibermúsicas' for popular song composition, conceived by the
Organization of Ibero-American States (2014-2015). He is currently a PhD
candidate in Songwriting at Bath Spa University with research funded by
the Capes Foundation/Ministry of Education of Brazil. 
Session: 5A: Creative Process 
Keywords: Samba, songwriting, creative process, lecture-recital