DOUTORADO

quinta-feira, maio 27

O outro lado da Rua

O Outro Lado da Rua




Uma rua. Estavam esperando para atravessar. Olharam para um lado. Olharam para o outro. Quando o pé se levantou pra pisar no meio fio passou um carrão com adesivo escrito: “Não somos aquilo que pensam que somos”. Puxa! E correndo desse jeito! Quem esse cara pensa que é? E os pés voltaram pra trás.
Esse cara quem? Homem ou mulher, velha ou nova. Era carro bom. Devia ser de bacana. Ou não. Vidro fumê. Carro tipo propaganda de tv. Olharam para um lado. Olharam para o outro. Nenhuma câmera de gravação. Não era um comercial. Mas não atravessaram.
            Carro de propaganda nunca tem ninguém dirigindo – esse devia ter. É o carrão sozinho numa estrada tri bonita bem cuidada sempre vazia que nunca passa ninguém. Havia outros pedestres por ali, portanto estava descartada a hipótese de um comercial, a não ser que todos fossem figurantes. Além disso, era uma rua, não uma estrada. “Não somos aquilo que pensam que somos”. Mas não foram até o lado oposto – que é o que se faz ao atravessar a rua – tontos com o trânsito.
            Então, o trânsito. Ai, o trânsito. Lá vem falar de segurança, responsabilidade, valorização da vida, duplicação da BR, pedágio, álcool, rigor na aplicação das leis. Falar que isso e aquilo. Não. Não é o trânsito. A placa? Ou liam o adesivo ou liam a placa. Tudo bem, só mais um automóvel em suas vidas nessa rua vaivém de mochila e chinelo de dedo, bicicleta e boné, paletó e gravata, pastinha de alça, sandália sem alça, tênis, botinha sem meia, flanelinha. Quem dirigia? Podia ser jogador de futebol. Carteira de habilitação comprada. Como se faz hoje em dia. Ou seria carro de madame? Cheirosa e antipática. Do condomínio pro Shoping do Shoping pro condomínio. E se não fosse nada daquilo. Ou fosse pra pensar que não era. Quem sabe?
            Empresário da noite. Dono de boate. Um motorista negro de luvas. Anti Seqüestro. O adesivo seria um despiste. Não sou rico – confessaria constrangido o cara com jornal aberto e palito de dente na boca. Tem carrão, mas não é o que a gente acha que é. Só pode ser bicheiro corrente de ouro. Negócio promissor, gerando emprego e renda. Tradição. Confiança. Respeito. Estabilidade. Nada de caça-níquel nem bingo – coisas que vão e vêm aos canetaços e sofrem para se estabelecer em teatros e cinemas abandonados – jogo do bicho é pra sempre. Podia ser de político. Assessor de político. Agenda. Notebook. Secretária. Celular. Coisa de primeiro escalão. Secretaria de Estado. É e não é. Ele é o responsável, mas a culpa não é dele. Fatalidades. “Não somos aquilo que pensam que somos”. Essa é boa.
Também querem ser o que não são. Todo mundo é assim. Normal. A eterna insatisfação com o que já foi conquistado. O tédio da falta de desafios. Então se busca ser o que não se é. Mero descontentamento. Mesmo não sendo o que se queria ser, já se deixa de ser o que se era pelo simples fato de não demonstrar o que verdadeiramente se é – ao mesmo tempo em que não é o que demonstra ser. É a vida. Nem tudo é o que parece.
Muito do que se pensa é dito nos veículos. “Não tenho tudo que amo, mas amo tudo o que tenho”. Esta é uma insatisfação muito mais conformada. Mais sofrida. Declaração cabeça erguida de quem já passou por muita coisa e rodou o Brasil todo para chegar até aqui – desde que o portador da frase realmente pense isso mesmo, senão corre o risco de parecer o que não é. Existe, ainda, aquele que queria ser, foi, e não quer ser mais. Tudo é passageiro. Certo ou errado, passa na roleta, desce na parada.
Já não tinham certeza se queriam atravessar a rua. Olharam para um lado. Olharam para o outro. Atravessar pra quê? O que os esperava? Será que valeria a pena? Que garantia teriam de encontrar no outro lado da rua o que buscavam? Se fosse o que pensavam que era, era certo. Mas se não fosse? Depois de atravessar, o outro lado seria este. Não poderiam encurtar o caminho? Se tudo muda, ficar parado é a forma mais rápida de se movimentar.
Mas não podiam ficar a vida toda parados só a vida toda por causa de um adesivo. Olharam para um lado. Olharam para o outro. Não somos o que pensam que somos. Nem o que não somos. E foram.

domingo, maio 2

Encontros com o Professor

Ao violão e na companhia de Pedrinho Figueiredo, o compositor Leandro Maia apresentou canções do Cd Palavreio na canja do encontro com Donaldo Schüller.

Com um sorriso largo e uma voz afinadíssima, Leandro Maia deu início a canja do Encontros com a canção Paisagens, composta, segundo ele, em homenagem a Porto Alegre.

Na letra, ele narra imagens marcantes da cidade como a ponte do Guaíba, os Jacarandás da Praça da Alfândega e a vista que se tem da Capital do alto do morro Santa Teresa. No verso final da música, se declara: "Porto parte boa do mundo, parto cedo para te encontrar".

Seguindo a apresentação, tocou Dejavú, cuja a letra fala de amor, e que, segundo ele, "é um pouco grega", porque se parece tanto com o mito de Narciso quanto com a história do deus Apolo.
Encerrando a canja, Leandro cantou Palavreio que dá título ao CD e ao show mais recente do artista.

29 de abril no StudioClio