Canção por um Triz
Há alguns bons anos venho me debatendo, batendo,
lendo, cantando e fazendo canção brasileira. Tenho uma teoria íntima a respeito
desta nossa forma tão querida de versar sobre a vida, que é mais ou menos
assim: se a sinfonia é alemã, a ópera é italiana, a poesia é francesa, o
romance é russo e os contos são americanos, a canção é brasileira. Digo isto sem medo de incorrer em falso
testemunho. Junte-se a isso a nossa tradição lírica ibérica, com a sonoridade brasileira
tupi, banta e ioruba e suas respectivas visões de mundo, e teremos uma língua
de rica sonoridade, grande conteúdo reflexivo, equilíbrio entre vogais,
consoantes, nasalidades e vocalizações diversas. Além disso, junte a tradição
percussiva e dançante africana e toda imigração europeia, asiática, moura e do
oriente médio, além do diálogo com outras culturas americanas, sejam do norte,
Caribe, ou Conesul. Paremos por aqui, ainda sem citar a nossa própria tradição
cancionista, tão rica, vasta e diversa.
Muito já escreveu sobre
canção, embora ainda pareça muito pouco. Parece menos ainda quando nos
deparamos com trabalhos como TRIZ,
que André Mehmari, Chico Pinheiro
e Sérgio Santos nos apresentam em parceria com o Departamento de Difusão
Cultural da UFRGS, Núcleo de Estudos da Canção
e o patrocínio da Natura Musical. Este trio, na verdade, é a reunião de
uma constelação de alguns dos maiores nomes da música brasileira da atualidade,
em diferentes matizes: canção, música instrumental e música erudita – como se
fosse possível fazer esta separação hoje em dia. E é disto que se trata estre trabalho, de uma
reunião de artistas de grande quilate, sem preocupação em algemar as criações
neste ou naquele gênero.
Em todo o disco, aparecem apenas duas canções
com letra, curiosamente intituladas “Sim” e “Não”. E agora? É canção? É música
instrumental? Sim ou Não? Aqui, sim, um debate que parece fadado ao fracasso.
Isto porque se entendemos canção como uma peça musical feita com letra e música
em palavras que contam uma história com início, meio e fim, nosso conceito de
canção já era. E, por outro lado, se entendemos música instrumental como uma
derivação de “música pura”, aquela que prescinde da voz humana, por um triz
deixa de ser música instrumental, pois TRIZ é pleno de vozes, vocais,
vocalizações sem palavras. Aliás, melodias plenamente cantáveis, em extensão
vocal confortável, plenamente adequadas para a voz humana – aliás como muitos
temas “instrumentais”, do choro de Pixinguinha aos tangos do Piazzolla. Difícil
dizer que não é canção, em minha modesta opinião. Mas são canções sem palavras.
Canção de melodia e voz. Já tentaram letrar “Libertango” do Piazzolla?
Convenhamos que seria um sacrilégio. O mesmo ocorre com as canções do Triz. Uma
palavra mal posta pode complicar a intricada arquitetura que ali se apresenta,
fechando em um significado determinado que não é necessário. Por outro lado, a
palavra bem posta abre diversos mundos. Tem uma pesquisadora, a Janete El
Haouli, que chama isto de “voz-música”, ou seja, a voz que não se deixa
aprisionar pelas palavras. Acho que é um bom ponto de partida.
Como cancionistas que não aceitam as fronteiras
cada vez mais falsas entre música erudita e música popular, entre canção e
música instrumental, estamos aqui com um belo problema por resolver e
contemplar. Aliás, não sei se é intencional por parte de André, Chico e Sérgio,
mas curiosamente andei “googlando” por aí e vi que TRIZ também é a sigla de Teoria Rechenia Izobretatelskih Zadatchi, que em russo significa Teoria da Resolução de
Problemas Inventivos. Que os problemas
inventivos sigam apontando belos caminhos para a música brasileira.
Leandro Maia.
http://www.youtube.com/watch?v=ZHy5egQpB84