DOUTORADO

segunda-feira, maio 1

Brasileiro fala banto

Ciencia, Politica e Religião: Brasileiro fala banto: Por Marcos Bagno (*) Dia desses, uma gaúcha veio me contar, entusiasmada, que tinha aberto uma escola de línguas em Porto Alegre, que nã...



Brasileiro fala banto

Por Marcos Bagno (*)
Dia desses, uma gaúcha veio me contar, entusiasmada, que tinha aberto uma escola de línguas em Porto Alegre, que não queria se limitar ao ensino das línguas europeias (inglês, francês, espanhol, italiano, alemão) mas pensava em oferecer também o iorubá, para ser uma escola “politicamente correta”, que contemple as línguas que “influenciaram” o português brasileiro.
Pensei com meus botões: “Mais uma iludida”.
O desconhecimento, por parte da maioria dos brasileiros, inclusive linguistas profissionais, da história linguística do nosso país é impressionante. Quando, com base nos excelentes estudos de Yeda Pessoa de Castro, digo às pessoas que, das línguas africanas trazidas para cá com o tráfico de escravos, a que menos impacto exerceu sobre o português brasileiro foi o iorubá, as reações costumam ir da surpresa à indignação.
O iorubá é uma língua oeste-africana. Seus falantes só começaram a ser trazidos para o Brasil no final do século XVIII, com a destruição do reino de Queto, e também depois de 1830, quando foi arrasado o império de Oió.
Ficaram concentrados nas zonas litorâneas, com especial destaque para a região do Recôncavo baiano. Com os falantes de iorubá e de outras línguas oeste-africanas vieram os cultos religiosos que se tornaram conhecidos como candomblé.
Por causa do prestígio cultural que essas manifestações religiosas alcançaram é que se fixou, entre nós, o mito de que o iorubá é a principal (quando não a única!) língua africana que exerceu “influência” sobre o português brasileiro.
Desse mito decorrem inúmeras distorções como, por exemplo, a do filme “Quilombo”, de Cacá Diegues (1984), em que Zumbi dos Palmares e demais quilombolas falam iorubá, em pleno século XVII, quando ainda não tinham chegado ao Brasil os falantes dessa língua. O mesmo se pode dizer dos inúmeros cursos de iorubá oferecidos Brasil afora e que muitas pessoas vão frequentar na crença de que, assim, se aproximariam mais das raízes africanas da nossa população e da nossa cultura.
Ora, as línguas que de fato mais confluíram para a formação do português brasileiro são de uma outra família, a família chamada banto. São de línguas bantas (quicongo, quimbundo, umbundo) a maioria dos escravos trazidos a partir do século XVII e que serão distribuídos por todo o território brasileiro.
A antiguidade da presença dos bantos é que explica a grande quantidade de vocábulos plenamente integrados ao falar brasileiro do dia-a-dia e referentes aos mais diversos campos da vida humana. As palavras do iorubá que empregamos, por outro lado, se referem quase exclusivamente ao universo religioso e têm uma difusão muito mais restrita geograficamente.
Com isso, se quisermos de fato nos aproximar das nossas raízes africanas mais profundas, é nas línguas do grupo banto que devemos procurá-las. É delas que vêm, entre tantas outras, as já brasileiríssimas caçula, carimbo, cachaça, dengo, samba, sacana, biboca, maconha, bagunça, jiló, cachimbo, cafungar, fungar, cabular, catinga, catimba, ginga, lambada, cangaço, mocambo, moleque, miçanga, moqueca, muamba, olelê-olalá, tutu, titica, xingar, quiabo, quitanda, quitute, muxoxo, cochilo, banguela, cabaço, beleléu, zanzar, ziquizira, songamonga, moringa, camundongo, babaca, senzala, mucama, macaco, babau, caxumba, capanga, canga, tanga, lengalenga, mandinga, coroca, cotó, fubá, moleque, cafuné, jagunço, meganha... sem falar, é claro, da grande unanimidade nacional: a bunda!
Além disso, os pesquisadores vêm mostrando cada vez mais que o impacto do banto sobre o português brasileiro não se restringe ao léxico, isto é, às palavras. Muitas das características gramaticais próprias do português brasileiro (algumas, aliás, exclusivas da nossa língua no conjunto das línguas românicas e mesmo indo-europeias) podem ter origem na transferência, para a língua que foram obrigados a aprender, de traços gramaticais dos idiomas bantos falados pelos escravos.
Uma delas é a possibilidade de locuções adverbiais ocuparem a posição de sujeito. Por mais natural que nós, brasileiros, consideremos uma frase como “Esse elevador só cabe 8 pessoas” ou “A janela do meu quarto não bate sol”, essas construções são desconhecidas não só do português europeu, mas de todas as línguas românicas e também das demais línguas indo-europeias.
Ora, nas línguas do grupo banto construções desse tipo são perfeitamente comuns. Quando (se) a sociedade brasileira algum dia deixar de ser uma das mais racistas do mundo, quem sabe o verdadeiro impacto da cultura africana venha a ser definitivamente reconhecido, valorizado e apreciado.

*Escritor, Doutor em filologia e língua portuguesa pela USP, sociolinguista 

http://jornaldoromario.com.br/artigos/528-brasileiro-fala-banto


* Originalmente publicado em Caros Amigos 151 Outubro de 2009. O texto foi ampliada e republicado no site http://jornaldoromario.com.br/artigos/528-brasileiro-fala-banto não mais disponível. Obrigado ao marivalton.blogspot.com por disponibilizá-lo !!!











quinta-feira, janeiro 19

Conference Presentation: From Sambista to Song: what an unpublished 86-year old sambista reveals about songwriting. (06/01/2017)

Conference Presentation: From Sambista to Song: what an unpublished 86-year old sambista reveals about songwriting. (06/01/2017): Leandro Maia, Bath Spa University From Sambista to Song: what an unpublished 86-year old sambista reveals about songwriting.



In: www.leandromaia.com.br



BFE/RMA Presentation


2017
started with good vibes and hard working. Between January 5th and 7th I
had the honour of presenting a paper related to my thesis at the School
of Music and Performing Arts, Canterbury Christ Church University, UK
during the BFE/RMA Research Students’ Conference: Exploring Musical
Practice.


2017
começou com tudo. Logo no início do ano tive a honra de participar da
Conferência do Fórum Britânico de Etnomusicologia e da Real Academia de
Música
organizado pela Canterbury Christ Church University. Título
do trabalho: Da Sambista à canção: o que uma inédita sambista de 86 anos
revela sobre composição de canções. Estou falando sobre a maravilhosa
Dona Conceição, da cidade de Pelotas/RS, que já compôs mais de mil
sambas.


Leandro Maia, Bath Spa University 
From Sambista to Song: what an unpublished 86-year old sambista reveals about songwriting. 
This
work presents songs by the Brazilian songwriter Conceição Teixeira
(1930-) in the context of the research ‘Poetics of song:
songwriting habitus in the creative process of Brazilian songwriting’.
Having composed more than one thousand sambas without receiving formal
music education, Teixeira offers an extraordinary opportunity to
approach the creative process regarding aspects such as informal
learning, intuition and tacit knowledge. Considering the inherent
interdisciplinarity of the popular song genre, the research on
Teixeira’s songs combines ethnography and song analysis to understanding
how a songwriting habitus is manifested through the identification of
music dispositions found in her work. 
The
presentation is characterised by a 20-minute recital-lecture in solo
performance (voice, percussion and guitar) including a demonstration of
the transcreational procedures used in the translation of songs. The
reasons behind this innovative format are related to the opportunity of
joining music performance, music analysis and field research reports
into the same presentation, avoiding separation between theory and
practice. The possibility of having the feedback and real-time
participation of the audience in a dialogical perspective offers
additional motivation for this proposal.


presentation canterbury 

Biography: Singer, songwriter and senior lecturer at Universidade Federalde Pelotas (UFPEL/Brazil). Leandro Maia has released the albums
Palavreio (2008), Mandinho (2012) and Suite Maria Bonita e Outras
Veredas (2014) and has written music for theatre, dance and movies.
Awarded as the best singer in 'Premio Brasil-Sul de Música' (2013) and
'Premio Açorianos de Música' (2015), Leandro was granted with the first
'Prêmio Ibermúsicas' for popular song composition, conceived by the
Organization of Ibero-American States (2014-2015). He is currently a PhD
candidate in Songwriting at Bath Spa University with research funded by
the Capes Foundation/Ministry of Education of Brazil. 
Session: 5A: Creative Process 
Keywords: Samba, songwriting, creative process, lecture-recital

terça-feira, dezembro 27

O AMOR É PSICOLÓGICO (Leandro Maia)

O AMOR É PSICOLÓGICO
Leandro Maia (Facebook/leandromaiaoficial)

O amor é psicológico
Não tem nenhum senso prático
Em parte é um evento esdrúxulo
Talvez algo peristáltico
De dia um momento lúdico
De noite um tormento mágico
Um trâmite antropológico
Um hábito antropofágico
O amor é psicológico
Conhecimento tácito

O amor é psicotrópico
Ou mesmo é um fitoterápico
Não há nenhum diagnóstico
Do amor quando ele é linfático
Invade o sistema límbico
Altera o hipotálamo
Afeta o sistema endócrino
Espalha-se metastático
Não há nenhum analgésico
Pro amor quando acaba rápido
O amor é psicológico
Até mesmo no semiárido
Não há lugar por mais inóspito
Aonde ele não seja cálido
O amor é meteorológico
Não mero fator climático
Ocorre no tempo úmido
Ou mesmo no mar antártico
O amor pode ser desértico
Fenômeno geográfico
O amor é psicológico
Se move no céu galáctico
Frequenta planetas míticos
E sóis no universo errático
Desfaz do mapa astrológico
Debocha das leis da náutica
O amor tem astral insólito
Se aloja entre as pás eólicas
O amor é psicológico
Mas cabe na cesta básica

PS: Nunca usei a palavra "amor" em minhas cançōes. Como diria o Drummond, pois resultou inútil. Então desaguei aqui. O poema está prometido para ser musicado, fica o mistério. Abraços e o melhor 2017 possível.

quinta-feira, dezembro 22

Viva a TVE e a FM Cultura

AGRADECIMENTO AOS AMIGOS DA TVE E FM CULTURA
A minha relação com as equipes de concursados da TVE e FM Cultura iniciou-se de forma protocolar. Um artista que visita as emissoras para falar do seu trabalho. Quero dizer que ao longo dos anos, este relacionamento se transformou em amizade, de minha parte movida pela profunda admiração. Amizade, admiração e amor.
A admiração e o orgulho que eu sempre tive desses funcionários estáveis, incorruptíveis, de extrema delicadeza, bom gosto e sabedores de enorme importância do seu papel.
E, se não bastasse competência e ética estarem de mãos dadas, o amor que esses meus amigos nutriram pela TVE e FM Cultura sempre foi contagiante. Amor pela comunicação, pelo jornalismo cultural. Amor pela música e pelas artes.
Esse amor é o que vocês deixam, meus amigos. O zelo e o carinho por algo muito maior do que nós. Nossas heranças, nosso capital simbólico, nosso compromisso.
A lágrima agora tem gosto de sal, mas o abraço tem a força do mar.
Amo muito vocês. Obrigado pelo que fizeram e pelo que vocês seguirão fazendo. Esse amor seguirá transformado e transformando. Eu sinto esse amor de vocês pelo trabalho. E é esse amor que é o perigo. É esse prazer pelo trabalho que querem acabar.
Seguiremos com indignação e luta. Mas o amor, o prazer e a delicadeza, ah, esses seguirão em nossa teimosia.
Muita força. Muito obrigado. Estamos juntos e a contribuição de vocês é inesgotável.
Aos mais próximos Luiz Henrique FontouraMarta SchmittNewton SilvaClarisse DiefenthälerPaulo MoreiraDemétrio De Freitas XavierRodrigo DMartMárcio GobattoLuiz Lau, Vera Vergo, assim como aos demais amigos da Fundação Piratini. O meu imenso agradecimento. Vocês dignificam o por do sol visto do Morro Santa Teresa.

quarta-feira, setembro 28

PARATUDO

Paratudo Em São Paulo sou petista Em Brasília, Ciro Gomes Freixo no Rio de Janeiro Requião Curitibano Em seu caos sartoriano
Luciana em Porto Alegre É Psol em Satolep Jurandir merece o amparo Com Governaço e Lazier PDT eu não encaro Só se contra o Edir Macedo Veja, Globo ou Bolsonaro Mas que fique muito claro Que o voto é disputado Não se entrega de primeira Pra qualquer discurso aguado Faz de tudo bem pensado Anarquista brasileiro!

Não há nada definido
Só depois que eu votar
E quem quer que seja eleito(a)
é que deve governar
Sem golpismo ou boicote
Fora Temer, Diretas Já!

Falta mexer em muita coisa
o sistema de eleição
o horário gratuito
a forma de contribuição
e exigir das autoridades
respeitarem a Constituição

"Como pode um anarquista
querer democracia assim"
você pode perguntar
Responderei muito feliz
Quero voto e movimento
pra fazer outro país

sábado, setembro 17

A bênção da desilusão

A bênção da desilusão


 Para Luís Fernando Veríssimo

Acabo de ler uma entrevista do querido Luís Fernando Veríssimo a um jornal brasileiro declarando-se “um esquerdista desiludido”. Sou um fã enorme do LFV e, mesmo se não fosse, entendo, compreendo, curto e compartilho suas desilusões e perplexidades. Lembro-me rapidamente de suas tirinhas "As Cobras", onde uma delas confessava em meio ao maravilhamento de uma paisagem: “Meu filho, um dia toda esta perplexidade será sua”.

Há horas venho pensando sobre essa questão da desilusão e me dei conta de que nunca vi ou li nada sobre algum “direitista” desiludido, um liberal desiludido, um nazista desiludido, um monarquista desiludido, um pastor pentecostal desiludido, um ditador desiludido, um homofóbico desiludido, um torturador desiludido. Talvez eu precise ler e observar mais.

Morando temporariamente na Inglaterra – há exato um ano, nunca ouvi alguém desiludido com o partido conservador ou com a monarquia, por exemplo. Nunca ouvi algo como a “desilusão provocada pelo governo Thatcher”. Houve desilusão recente com a questão Brexit, por exemplo. Os adeptos da União Europeia se desiludiram para valer. Quem mais se desiludiu com o Brexit, no entanto, foram os trabalhistas que estão até agora questionando a liderança do Corbyn, dito de esquerda. Cameron, conservador, talvez tenha se desiludido com o Brexit ao ponto de renunciar, mas os conservadores em menos de uma semana estavam com uma nova primeira ministra, bem coesos e prontinhos para governar. Sem maior alarde ou especulação sobre suas disputas internas. A troca foi rápida e sem grandes traumas. Os trabalhistas, os Labours, por outro lado, enfrentam uma rachadura que é exposta todo o dia no noticiário como uma espécie de reality show até que confirmem ou desconfirmem sua liderança – o que deve ocorrer na próxima semana. A primeira coisa, ao se desiludirem com o referendo, por exemplo, foi questionar a oposição, e não o governo. Aliás, uma das coisas mais interessantes no âmbito do noticiário político inglês é o fato de a oposição, suas articulações, fissuras ou realizações, figurarem aparentemente com maior presença no noticiário do que o próprio governo que, afinal de contas governa e só por isso deveria aparecer mais nas notícias. Não é curioso?

Outra coisa interessante é que estou convencido, passando esse tempinho na Inglaterra, de que estou num país comunista – isso segundo os conceitos propagados pelo senso comum no Brasil. Aqui em Bath, como em várias regiões do país, todas as casas são iguais: mesma cor, formato, materiais e dimensões, com pouquíssimas variações que muitas vezes se resumem meramente às cores das portas das casas. Isso gera um efeito visual impactante e demonstra a grande regulação do setor. Existe um sistema público de saúde, o NHS. Existe regulação da mídia. A maior empresa de televisão é pública, a famosa BBC. Dentre um dos maiores parceiros comerciais está a China comunista, sem dúvida o mais promissor, embora tenha passado por uma crise financeira neste ano ligada à bolsa de valores, vai entender. A união civil e a adoção homoafetiva são permitidas. O aborto é legalizado. A educação básica é pública. E tem feriados de montão! E tem salário mínimo! Enfim, considerando-se que toda tentativa de regular a mídia, assim como a de defender a comunicação pública e os direitos humanos por exemplo, é considerado ‘bandeira de esquerda’ no Brasil, confesso que ando muito confuso e com uma baita crise de identidade. Será?


Para deixar bem claro, não estou comparando duas realidades distintas. Faço de tudo para não cair no vira-latismo, que todos sabemos muito forte. Não estou dizendo que a Inglaterra é melhor ou pior. Estou apenas pensando sobre a maneira pela qual como nós vamos construindo nossos conceitos de direita e de esquerda no Brasil. Escrevo sobre o Brasil e o amo pra valer. Quando ouvimos entidades como a FIESP, a FIERGS ou a FARSUL falar das maravilhas do liberalismo e livre mercado no chamado primeiro mundo, precisamos fazer esta discussão com muita consciência de que esse liberalismo puro e utópico não existe em lugar nenhum deste planeta. E não tem ninguém desiludido com isto. Essa turma não se desilude. Ninguém se declarou desiludido quando as invasões e guerras do Iraque, Afeganistão e Síria não resultaram na eliminação do terrorismo, por exemplo. Ninguém se importa se o liberalismo é uma utopia inatingível.

Democratas desiludidos, republicanos desiludidos. Nunca ouviremos falar da desilusão do Trump, por exemplo. A desilusão está destinada às nossas melhores expectativas. A desilusão é um pós-fato, é uma pós-realização, proveniente de uma tentativa, um erro, uma falha, uma traição. A desilusão é a anti-convicção por excelência. Entre a desilusão e a convicção, eu fico com a primeira. Nossa desilusão está comprovada. Nossa desilusão é autêntica. Neste sentido, preciso confessar uma desilusão bastante particular e pessoal. Estou desiludido e decepcionado com os poderosos do Brasil: banqueiros, grandes grupos de comunicação, coronéis, latifundiários, classe política e conglomerados empresariais que foram extremamente mal-agradecidos com quem não ameaçou em nada seus privilégios ou sequer fez alguma mudança estrutural profunda na sociedade brasileira. A expectativa de ganhos futuros como o estratégico Pré-Sal, por exemplo, revela-se uma boa explicação para a origem dessa minha decepção com determinados setores pouco adeptos das lides democráticas.

Só para divagar um pouco, muito já se escreveu sobre democracia como arte, como ópera, por exemplo, onde precisamos “suspender o descrédito”, ou seja, acreditar na realidade interna do palco para deixar que a narrativa aconteça. É pura ilusão. É um pacto tácito entre artista e expectador. Se não houver esse pacto, não há espetáculo. E sabemos o quão essencial para nossas vidas é o espetáculo. Paradoxalmente talvez o grande problema contemporâneo seja justamente a espetacularização, ou seja, quando todos estão em cima do palco atuando uns para os outros e não há mais a quem iludir. Não tem como ter pacto de confiança se todos estão no palco ao mesmo tempo disputando as atenções. Sem pacto não há palco, sem palco não há pacto. Isso é claro numa democracia representativa tradicional, ocidental, careta até, onde papéis e trabalhos são divididos e fragmentados. Na farsa da democracia, setores romperam o pacto e não respeitaram as regras e convenções mais elementares do espetáculo. Havemos de experimentar um novo pacto e redefinir um novo espetáculo. Havemos de reconhecer que não atuamos todos no primeiro plano o tempo todo. É necessária a diversidade para a narrativa. Não é o caso de ser decorativo, mas contracenar e “dar o foco” àqueles que, através da ilusão eleitoral, foram apontados como atores principais até o fim do ato. Novo ato, novos atores, nova série somente como nova eleição, digo, seleção de elenco. No final das contas, enquanto os desiludidos lamentam, os convictos governam.

Temos republicanos desiludidos, democratas desiludidos, humanistas desiludidos, esquerdistas desiludidos, ativistas desiludidos. Não nos falta a desilusão, desilusão, desilusão danço eu, dança você na dança da solidão. Grande Paulinho da Viola, que cantou nosso hino na Olimpíada com voz sábia, sóbria ao mesmo tempo mágica e magistral. Quer palavra mais linda de cantar? Desilusão é uma palavra linda de cantar: cheia de sílabas, lalação, sibilação, aliteração, ressonância e nasalidade. É elegante, não é explosiva. Todos deveríamos sentir desilusão um dia. Infeliz daquele que nunca sentiu desilusão.




Leandro Maia
Cancionista e professor